domingo, 14 de junho de 2009

Acorda e vai ser feliz

Podia ser um sábado ou domingo. Talvez feriado. Não importa o dia. Importa que ela estava só em casa. Entediada provavelmente. Como acontecia todas as vezes que ela se via sozinha em casa. Na cozinha lavava os pratos do jantar que ela preparara para comer sozinha. E lavava sozinha. E não cantarolava. Estava lá. De pé. Molhada por ser desastrada. Sozinha por não ter ninguém em casa. Agitação na rua tinha e era isso que a perturbava. O mundo não pode ser feliz quando ela está cansada. Quando ela está de pijama trancada em casa. Quando ela não quer conversar, quando ela não quer pedir jantar só pra uma pessoa. Ninguém tem o direito de esquecer que ela está esquecida. Nem de não lavar louça quando ela tem a dela pra lavar. Estava lá. Ela. Com a mão submersa na água na pia, com a cabeça submersa em pensamentos. E uma buzina toca. Dezesseis segundos. Ela contou. Ela se perguntava o que faz alguém pressionar a buzina durante dezesseis segundos. Alguém que não está em casa. Sozinho. Com a roupa molhada da água pia. Sentindo frio porque faz frio essa época do ano. Lavando louça da comida que ela própria fez e que ninguém provou e que ela teve que comer sozinha e depois ainda lavar a louça sozinha e molhar a roupa porque é desastrada e não ter ninguém pra reclamar ou rir por ter feito comida pra uma só uma pessoa sozinha. Nem deu tempo de acabar de pensar e novamente a buzina. Novos dezesseis segundos. Ela contou. Talvez não exatos. Mas de acordo com ela dezesseis segundos. Seria homem ou mulher? Sozinho ou não. Qual o modelo do seu carro? Sempre gostou de buzina? De som alto? De perturbar quem está sozinho? De interromper pensamentos importantes de quem precisa se resolver? Estaria chamando alguém? Alguém que o tiraria da monotonia daquele sábado ou domingo. Talvez feriado. Seria agora ela a única pessoa a estar só. Se tocar a buzina de novo. Ela pensava. Eu desço e pergunto os motivos. Digo que me incomoda. Que atrapalha a minha vida. Que eu detesto buzina. Som alto. Voz de quem quer seja, desde que não seja a minha. E mais uma vez a buzina. E mais uma vez o ódio crescente. Ela nem pensou agora. Desceu. De escada porque não quis encontrar ninguém no elevador. Desceu como que pra matar alguém. Pra gritar na rua. Pra dizer tudo que ela estava sentindo. Tudo que atrapalhava a vida dela. Ela desceu com a roupa molhada da água da pia. Com sabão nas mãos. Com a esponja trancada na mão. Ela ia dizer. Como pode alguém lavar a louça enquanto alguma pessoa louca aperta a buzina por dezesseis segundos. Que pressa é essa. Onde vai. Com quem vai. Por que não me leva. Por que não me arranca dessa pia. Desse dia. Dessa solidão. A rua estava vazia. O sinal aberto. Tarde demais seria. Mas ela estava na rua. Que faria ela se não acordar da monotonia e finalmente procurar o que a fazia feliz. Agradecendo a buzina. Ao sinal fechado. E a pessoa que pressionava a buzina por dezesseis segundos impossibilitando qualquer chance de ser alheio ao mundo.

6 comentários:

Unknown disse...

Que essa buzina esteja sempre com todos em mometos de solidão.

Paula Sholl disse...

Leio, leio, leio... devoro as palavras à procura de uma solução... a minha solução!Angustiante, frenético, verdadeiro.

Nick disse...

As quinze palavras, os dezesseis segundos, ambos frutos de um contexto que retrata a impaciência expressa como o ímpeto, ou como o tempo que, embora fugaz, não passa.
É essa a impaciência que nos faz mudar nossa vida de cabo a rabo,tentando saciar o vazio de nossa vontade e esvaziar o nosso saco cheio.
Parabéns pela articulação e pela capacidade de expressar a morte cotidiana e o luto filosófico de forma excepcional!
Beijos!

Pedro Jones disse...

Oscar de melhor texto vai para... Débora de Magalhães!!! Parece um roteiro de Woody Allen versão feminina!!! Perfeito! Te adoro, POETISA!

Laura disse...

caralho...será q todas as mulheres realmente são iguais?

Unknown disse...

eu vou comprar o seu livro!